RIO — Aos 17 anos, Michel Gomes, é o maior símbolo da dança do passinho, segundo o próprio criador do maior evento dessa manifestação cultural, a Batalha do Passinho.

— Ele é o retrato de tudo o que essa dança representa: a cultura da periferia, a capacidade de superação e a integração social — diz o jornalista Julio Ludemir, que, há quatro anos, acompanha a evolução do estilo de dançar nascido nas favelas cariocas.

O passinho surgiu nos bailes funk a partir da mistura de diversos tipos de dança. Há quem diga que há movimentos emprestados do break, da capoeira, da black music, do ballet clássico e até do frevo. De tempos em tempos, os dançarinos se encontram para duelar, assim como os rappers fazem nos embates de rimas. Essa foi a referência para a criação da Batalha do Passinho, cuja primeira edição rolou em 2011. No no Parque de Madureira, será realizada a final da segunda edição, e Michel foi um dos 16 finalistas que disputaram o prêmio de R$ 10 mil.

Morador da comunidade Gardênia Azul, na Zona Oeste, o estudante do ensino médio começou a ensaiar os primeiros passos em 2009, quando viu no YouTube um vídeo de um moleque mandando ver no passinho.

— Pirei naquilo e comecei a treinar em casa — conta Michel. — Devo tudo à internet. Se não fosse ela, não teria descoberto o passinho e o passinho também não teria me descoberto.

Depois de alguns meses praticando dentro do quarto e nos bailes, nos fins de semana, o garoto começou a postar na internet seus próprios vídeos de dança. Foi assim que João Pedro de Azevedo, dançarino do já consagrado bonde Mr. Passista, descobriu o talento de Michel, em 2011. Bastou mostrar a habilidade do novato para o colega de bonde Cebolinha, um dos criadores dos primeiros movimentos do gênero, para o rapaz ser convocado para o grupo.

— Logo que vi o vídeo pensei: “O jeito desse moleque dançar é irado”. Ele está inventando uma manha própria para executar os movimentos, já que não tem os dois braços. Isso faz com que os passos fiquem com a personalidade dele — diz João Pedro, ressaltando que a deficiência física não atrapalha o “passista” em nada. — Ele está no mesmo nível que os outros dançarinos do bonde. Eu nunca vi um moleque se virar tão bem. Ele solta pipa, pega ônibus, não precisa da ajuda de ninguém.

Cursando o segundo ano do ensino médio, Michel realmente nunca deixou a deficiência física de nascença frear seuas vontades. Apaixonado por esporte, ele pratica corrida e saltos todos os dias no Instituto Superar, além de nadar na altura do Posto 8, na Barra da Tijuca, e jogar futebol nas horas vagas. Nas Paraolimpíadas Escolares do ano passado, em São Paulo, o carioca rendeu três medalhas de ouro para a equipe de atletismo do projeto Correndo para o Futuro.

O organizador da Batalha até arrisca dizer que Michel é um dos expoentes de uma nova geração de dançarinos de passinho, que se destacam pelo vigor físico e pelo elemento “explosão”, típico dos esportistas.

— O passinho está se voltando para um estilo cada vez mais frenético e explosivo de dança. Agora, não basta ter a técnica, é preciso ser um atleta. Os meninos ágeis, como Michel, são os grandes destaques dessa nova geração — avalia Ludemir.

Com o semblante sério, Michel diz saber não ser fácil viver de dança, ainda mais na periferia da cidade. Mesmo assim, pretende se esforçar para levar sua ambição adiante.

— Quero me inscrever em cursos e ser dançarino profissional de funk. É a coisa que mais gosto de fazer na vida — afirma.

O rapaz, porém, não está tão longe assim de alcançar seu objetivo. Como finalista do concurso, ele já está contratado para o espetáculo “Na batalha”, que fará uma temporada de pelo menos dois meses no Rio. Michel também já foi convidado por seu MC favorito, Menor do Chapa, para participar de seu próximo clipe. Talvez, de passinho em passinho, ele chegue lá.

Fonte: O Globo

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