Imagine quão triste é o destino de uma jovem estudante de artes plásticas que está prestes a ficar cega. Que perde um dos sentidos mais caros para o exercício da vida banal e da arte que ama. Lidar com o espanto, a pena de familiares e amigos diante da notícia. E contar, repetidas vezes, o que se passa dentro de suas retinas. Ver o mundo cada dia mais recortado, até que se apague. Tentar guardar as memórias de lugares e rostos que em breve serão borrões.

Esse é o drama de Laila, mas ela não é digna de pena. Pierre, o funcionário público sem sal que se apaixona (?) e se dispõe a cuidar dela porque assim sua feiura não será um problema, também não é inocente. Em Turismo para cegos, romance de estreia de Tércia Montenegro, ninguém é.

O lançamento oficial da obra, selecionada pelo programa Petrobrás Cultural e editada pela Companhia das Letras, será às 19 horas de hoje, no Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Além dos autógrafos, Tércia fará um debate sobre o livro com os amigos, também escritores, Urik Paiva e Fernanda Meireles.

“Nenhum personagem é o que parece”, diz a autora cearense. Narrado por uma atendente de pet shop que a certa altura se questiona sobre como seria sua vida se tivesse a cor dos olhos diferente, ou outra textura de cabelo, ou outro tom na pele, logo nas primeiras páginas fica claro que em Turismo as aparências enganam, sim. A cegueira de que Tércia trata é física – tem nome científico: retinose pigmentar – e é também metafórica.

Foi em 2010, quando era voluntária na Sociedade de Assistência aos Cegos e teve a ideia do título, que o livro começou a nascer. A narrativa veio depois, com uma agência de turismo para pessoas com deficiência visual (“mas essa ideia durou três segundos”, adverte ela) e muitos personagens. Até Laila aparecer e mudar tudo, os rumos da história e as impressões da autora sobre a cegueira.

“Isso foi surgindo à medida que a personagem foi se construindo. Fiz umas experiências de andar com os olhos vendados, fui a três consultas com oftalmologistas, conversei com cegos. Uma espécie de laboratório. À medida que ia tentando ver o mundo de forma mais tátil, o cheiro, a temperatura, tentando entender a maneira como o cego lida com a realidade, fui percebendo como as aparências podem ser enganosas. É como se o toque desse a verdade. Ao olhar a gente julga, mas quando toca, você tem outra percepção”, conta.

Inspiração x transpiração

Autora experiente nas narrativas curtas – ela estreou em 1998 com O vendedor de Judas (Edições Demócrito Rocha) – Tércia escreveu outros dois romances antes de publicar Turismo para cegos. Os anteriores foram apenas “exercícios no gênero”. Depois de quase 20 anos, ela precisou aprender a técnica, praticar, até se sentir segura e se lançar na narrativa de fôlego.

“Eu queria sair mesmo do conforto, da sensação de já saber manejar ‘de olhos fechados’ uma estrutura. O romance foi um desafio e ainda me traz muitas surpresas técnicas – tanto é que quero seguir praticando este gênero”, diz ela, que já começa a rascunhar um próximo romance. “Esse demora mais uns dois anos”, adianta.

A relação com o tempo, aliás, foi um dos aprendizados que a narrativa longa trouxe a Tércia. Se antes, na imaturidade de todo começo, ela vivia a urgência da inspiração, era preciso escrever de imediato para não perder uma ideia, aos poucos ela foi estendendo o tamanho dos contos. Aprendeu a importância de conviver com as histórias. “A prática cotidiana da escrita acaba sendo muito mais fortalecedora, dá essa confiança de que é um trabalho, não é uma bênção”, diz.

SERVIÇO
Lançamento de Turismo para cegos, de Tércia Montenegro
Quando: Hoje, às 19 horas
Onde: Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Quanto: R$ 34,90
Companhia das Letras (224 páginas)

Fonte: O Povo

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