Jiu-jitsu para deficientes visuais. Aos 45 anos, o massoterapeuta Dario de Oliveira Melo está voltando a praticar uma atividade física após três décadas de sedentarismo. Depois de perder a visão, aos 11 anos, em um acidente doméstico, ele não mais se exercitou.

Há pouco mais de um mês, decidiu investir na prática do jiu-jitsu pela curiosidade de experimentar novas sensações e também pela praticidade, já que as aulas acontecem no Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz (IAPQ), mesmo local onde Dario trabalha. “Estava muito parado e agora, me movimentando, estou perdendo algumas calorias, a disposição nos dias de aula é diferente. Ainda estou pegando o jeito, o ritmo, mas estou gostando bastante”, conta ele.

Dario é um dos mais recentes alunos da turma do instrutor brasiliense Danilo Cruz, que trabalha de forma voluntária no IAPQ desde março, quando apresentou o projeto do jiu-jítsu adaptado para deficientes visuais. Há mais de cem anos o Instituto trabalha na habilitação e reabilitação (no caso de cegueiras não congênitas) psicopedagógica dos deficientes visuais e tem no esporte uma das suas principais ferramentas.

“O objetivo é a inclusão social, não simplesmente passar as atividades. Trabalhamos hoje com oito alunos, um limite por conta do tatame, que é pequeno e não permite estender a turma”, destacou Danilo, que atua de forma social e busca parceiros para aumentar a abrangência do projeto.

As aulas acontecem as segundas, quartas e sextas, com uma hora e quarenta minutos de duração. A dinâmica é a seguinte: alongar, aquecer e partir para a prática, que é dividida entre treino técnico e simulação de lutas. “O que diferencia a aula é a atenção no momento de passar as posições, pois é preciso explicar de maneira clara e tátil para que eles possam reproduzir os exercícios”, disse Danilo.

Entre os benefícios conquistados através das aulas estão o aprimoramento da coordenação motora, noção de espaço, ganho de força, além de melhora no condicionamento físico e respiratório e autoconfiança. O jovem Luciano Damasceno, de 23 anos, participa das aulas desde a implantação do projeto e sente a evolução no dia a dia.

Ele é uma exceção na turma, já que não possui deficiência visual, mas física, uma má-formação óssea. “Sou filho de funcionário e estou diariamente no Instituto, por isso venho às aulas. Sempre tive curiosidade em fazer uma arte marcial por ver nas Paralimpíadas. Assisti às edições anteriores a essa do Rio de Janeiro e tinha muita vontade em fazer, aí surgiu a oportunidade. Sinto muita diferença, pois antes nem conseguia segurar um botijão de água, não tinha força. Agora consigo”, destaca ele, que se diz ambientado com a deficiência dos colegas. “Tento ajudar eles também, mostrando a posição das mãos. A interação acontece normalmente.”

Esporte estimula outros sentidos dos atletas

Tratar uma deficiência, independente de qual seja a natureza, como limitação, é, de forma indireta e automática, um julgamento de capacidade. Tal interpretação acaba tolhendo muitos deficientes de vivenciarem práticas extremamente positivas para o seu desenvolvimento.

Uma necessidade especial pode alavancar outras potencialidades, desde que haja um trabalho de estímulos e desenvolvimento. É o caso do jiu-jistu adaptado para portadores de deficiência visual.

Naturalmente, pessoas com pouca ou nenhuma visão tendem a refinar outros sentidos, principalmente a audição e o tato, além da extrema atenção. O contato físico e a concentração exigida pelo jiu-jístu são um casamento perfeito para um desenvolvimento mútuo, no campo esportivo e na qualidade de vida.

Não importa se de forma amadora ou profissional, movimentar-se é uma espécie de injeção de ânimo para driblar os conflitos do cotidiano. Os ganhos físicos se tornam coadjuvantes se comparados ao bem-estar adquirido.

Mas há quem opte em fazer desse esporte sua profissão. Para gerir a atividade desses atletas, foi fundada em 25 de maio de 2014 a Confederação Brasileira Paradesportista de Jiu-Jítsu (CBPJJ), em Santo André, São Paulo. A entidade brasileira foi pioneira mundialmente, levantando a bandeira para que pessoas com deficiência visual, auditiva, física, motora e intelectual possam competir em eventos adaptados.Essa vertente permite uma nova possibilidade de futuro na carreira paradesportiva para muitos, como o lutador Marcos Lima, de Suzano, São Paulo. Ele começou a treinar em 2014 e já ostenta conquistas nacionais e em campeonatos mundiais. Marcos, inclusive, chegou a vencer um torneio estadual de jiu-jítsu em São Paulo no qual era o único cego.

 Fonte: folhape

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