Luís Rodrigues não esconde a frustração por não poder visitar o Palácio Nacional de Mafra, um dos monumentos mais emblemáticos de Portugal. Segundo os dados divulgados pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), o local foi o quinto monumento mais visitado do país em 2015, entre o conjunto de monumentos sob tutela do organismo, com cerca de 301 mil entradas vendidas. Dificilmente, alguma das entradas vendidas foi para alguém com mobilidade reduzida, como Luís.

“É muito frustrante um indivíduo deslocar-se cá e depois de tantos anos de sensibilização, não termos possibilidade de passarmos sequer da entrada”, relata.

Quando chegamos ao Palácio Nacional de Mafra, Luís já estava à nossa espera com o seu amigo, Ricardo Teixeira, também portador de deficiência motora. Os dois já nos haviam dito que não conseguiriam entrar no monumento, mas queríamos entender até onde iria a visita de uma pessoa com mobilidade reduzida.

Fomos, inicialmente, à Basílica, que corresponde à parte central do Palácio Nacional de Mafra e abriga uma das maiores coleções de esculturas barrocas italianas fora da Itália.

Surge, então, o primeiro obstáculo: o acesso ao local é feito unicamente por um lance de escadas. Luís, que tem um cadeira de rodas manual, consegue chegar com alguma dificuldade ao final da rampa de acesso, anterior às escadas de entrada. O piso acidentado, feito de calçada e cheio de atrito, torna a tarefa difícil. Já Ricardo, que tem um cadeira de rodas automática, consegue subir a rampa, mas enfrenta o mesmo problema de não poder subir as escadas anteriores à entrada da Basílica.

Na saída do local, outro desafio. Como o piso é muito acidentado, Luís tem de descer de costas para ir superando os desníveis do piso. Intuitivamente, tem de decidir a direção para a qual vai projetar o peso do seu corpo para evitar uma queda.

Ao descer a rampa, Luís e Ricardo vão até à entrada do Palácio, localizada na parte frontal do edifício, a alguns metros de onde estavam. Esta é a entrada para o Paço Real, que ocupa todo o andar nobre do edifício e os dois torreões. É onde estão localizadas as salas com tapeçarias, mobiliário e quadros da família real, no primeiro e segundo pisos, e a Biblioteca do Convento de Mafra, já considerada uma das mais bonitas do mundo.

Dirigem-se à receção para conseguir as entradas para o Palácio (visitantes com mobilidade reduzida não pagam), mas a visita termina aí. Sabem que não há elevadores para aceder ao Paço Real e que a única maneira de subir aos pisos superiores é utilizando as escadas. Para ir à biblioteca, por exemplo, teriam de subir quatro lances de escadas até ao segundo andar. “Oiço falar extremamente bem [do Palácio], que tem uma biblioteca lindíssima. Custa-me acreditar que um palácio que acaba de ser renovado há bem pouco tempo não tenha contemplado o acesso a todos”, confessa Luís.

O Palácio Nacional de Mafra não cumpre as recomendações do decreto-lei nº163/2006, de 8 de agosto, que determinou um prazo de dez anos para que todos os espaços públicos ou privados, turísticos ou comerciais, salvo algumas exceções, fossem modificados para serem acessíveis a todas as pessoas. O prazo terminou em agosto deste ano. A medida visa proporcionar a todos igual oportunidade para o uso de espaços, edifícios ou serviços, entre as quais o turismo.

O decreto-lei não está restrito apenas a deficientes motores. Inclui pessoas “incapazes de andar ou que não conseguem percorrer grandes distâncias, pessoas com dificuldades sensoriais, como as pessoas cegas ou surdas, e anda aquelas que, em virtude do seu percurso de vida, apresentam-se transitoriamente condicionadas, como as grávidas, as crianças e os idosos”, lê-se no documento.

De acordo com o diploma, a falta de cumprimento do decreto-lei implica o pagamento de multas que podem chegar até 44.891,81€ no caso de pessoas coletivas. No entanto, a falta de fiscalização, o baixo número de queixas e o amplo número de exceções abrangidas pela medida impedem que diversas pessoas possam visitar alguns pontos turísticos do país.

“Um degrau com mais de dez centímetros é, para uma pessoa portadora de cadeira de rodas, equivalente a um muro de três ou mais metros para uma pessoa sem problemas de mobilidade”, explica Luís.

“Infelizmente, sinto-me discriminado por não poder circular livremente em todos os locais que gostava de circular. Normalmente, para que eu saia em Lisboa ou numa cidade em Portugal, tenho de fazer um planeamento com a ajuda do Google Maps antes de ir a algum lado para ver se é acessível ou não. Isto sou eu que vivo cá e conheço as coisas. Agora, uma pessoa que vem de fora, como é que chega a Portugal?”, questiona Ricardo.

Fonte: Observador

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